Projetar o Futuro: Eficiência, Património e Responsabilidade
A sustentabilidade é hoje um princípio incontornável na prática arquitetónica. Nesta edição, o Arq.º Pedro Gomes, Vogal do Conselho Diretivo Regional Norte da Ordem dos Arquitectos, partilha a visão da Ordem sobre o papel dos arquitetos na promoção da eficiência energética, gestão inteligente da água, inovação tecnológica e reabilitação urbana sustentável. Uma reflexão atual e necessária sobre os desafios e oportunidades da profissão num contexto de transformação global.

- A sustentabilidade é hoje um pilar fundamental em qualquer prática arquitetónica responsável. De que forma a Ordem dos Arquitetos tem promovido, nos últimos anos, a integração de princípios sustentáveis no ensino, formação contínua e prática profissional da arquitetura em Portugal?
A Ordem dos Arquitectos tem assumido a sustentabilidade como um eixo estruturante na definição da prática profissional e no reforço da qualificação contínua dos seus membros. Nos últimos anos, através do Plano Único de Formação, têm sido promovidas várias ações que abordam diretamente temas como o desempenho energético dos edifícios, a utilização de biomateriais, a construção com terra, os princípios Passive House e a reabilitação sustentável. Estas ações são reflexo de uma estratégia de capacitação técnica orientada para os desafios ambientais e para a integração de boas práticas no exercício da arquitetura. Reconhece-se, no entanto, que este é um campo em constante evolução e que áreas como a economia circular, a gestão hídrica inteligente e a regeneração urbana exigem ainda maior aprofundamento. A Ordem encontra-se já a trabalhar nesse sentido, com o desenvolvimento de novas ações e parcerias que permitam garantir uma resposta adequada às exigências do presente e às transformações que se antecipam para o futuro da profissão.
- Num contexto de emergência climática e crescente escassez de recursos, qual consideram ser o papel do arquiteto na gestão eficiente da água e da energia nos edifícios e espaços urbanos?
O arquiteto tem hoje um papel central na definição de soluções que promovam a eficiência na utilização da água e da energia, quer na construção de novos edifícios, quer na transformação do tecido urbano existente. Embora o quadro regulamentar em vigor, nomeadamente no domínio da certificação energética, da instalação de sistemas solares e da limitação do consumo hídrico, seja relativamente abrangente e tecnicamente exigente, considera-se que o seu impacto depende fortemente da forma como os profissionais aplicam esse conhecimento e o integram no projeto desde a fase inicial. A sensibilização contínua para os benefícios da eficiência energética e hídrica, tanto em termos ambientais como económicos, é essencial para garantir o sucesso destas medidas. A Ordem dos Arquitectos tem procurado reforçar esta consciência através de ações formativas, publicações técnicas e da promoção de boas práticas, e continuará a fazê-lo, defendendo uma arquitetura informada, responsável e orientada para o uso racional dos recursos.
- A tecnologia e a digitalização têm um impacto crescente na forma como se projeta e constrói. Como vê a Ordem dos Arquitetos a integração de soluções inteligentes – como sensores, automação e análise de dados – no desenho arquitetónico, e de que forma estas podem contribuir para um ambiente mais sustentável?
A integração de tecnologia e soluções digitais na arquitetura representa uma oportunidade real para melhorar o desempenho ambiental dos edifícios e otimizar o uso dos recursos. Ferramentas como sensores ambientais, sistemas de automação e plataformas de monitorização de dados permitem adaptar os edifícios às condições reais de utilização, reduzindo consumos, prevenindo desperdícios e garantindo melhores condições de conforto. A Ordem dos Arquitectos vê estas soluções como instrumentos de apoio à decisão e não como substitutos do pensamento crítico ou da criatividade do arquiteto. Por isso tem incentivado a sua integração de forma informada e consciente, apoiando-se em formação especializada, em debates técnicos e na promoção de práticas que conciliem inovação tecnológica com os princípios fundamentais da sustentabilidade. O objetivo é garantir que a digitalização não é um fim em si, mas uma aliada no compromisso com uma arquitetura mais eficiente, adaptável e centrada no bem comum.
- Em muitas cidades portuguesas, a reabilitação urbana tem ganho protagonismo face à construção nova. Que boas práticas sustentáveis destacaria neste campo e que desafios persistem na conciliação entre património, inovação e eficiência ambiental?
A reabilitação urbana tem vindo a afirmar-se como uma resposta mais sustentável e adequada aos desafios contemporâneos, ao permitir a reutilização de estruturas existentes, a redução de resíduos e a valorização do património. Boas práticas incluem a integração de sistemas passivos de climatização, a utilização de materiais naturais ou reciclados, a melhoria do isolamento térmico e a modernização das infraestruturas técnicas de forma compatível com a pré-existência. Os principais desafios prendem-se com a necessidade de compatibilizar o respeito pelas características históricas e construtivas dos edifícios com as exigências regulamentares e ambientais atuais. A Ordem dos Arquitectos tem defendido abordagens equilibradas, que respeitem o valor patrimonial dos edifícios mas que incorporem inovação construtiva e tecnológica de forma compatível. A inovação, neste contexto, não se resume à tecnologia, mas estende-se também à capacidade de reinterpretar métodos e soluções construtivas à luz das exigências contemporâneas, promovendo a criatividade como motor de transformação urbana sustentável.
- Por fim, como imagina a Ordem dos Arquitetos o futuro da profissão nos próximos 10 a 15 anos?
A Ordem dos Arquitectos acredita que os próximos 10 a 15 anos trarão mudanças significativas na forma como a profissão é exercida, mas também novas oportunidades para reforçar o papel do arquiteto na sociedade. Num contexto marcado pela aceleração tecnológica, pela urgência da sustentabilidade e por novas exigências sociais, será cada vez mais necessário combinar competências técnicas avançadas com uma visão crítica e integrada do território. Domínios como o desenho bioclimático, a modelação e simulação digital, o planeamento urbano sustentável, a gestão de recursos e a integração de sistemas inteligentes ganharão ainda maior relevância. A Ordem continuará a acompanhar esta evolução, promovendo formação contínua, atualizada e acessível, e defendendo um enquadramento ético e profissional que valorize o contributo dos arquitetos para a construção de um futuro mais justo, eficiente e resiliente. A profissão continuará a exigir esforço, adaptação e responsabilidade, mas também trará novas formas de reconhecimento e intervenção, num mundo onde a arquitetura será cada vez mais chamada a responder com qualidade, consciência, sustentabilidade e compromisso.